O Poder da força feminina e seus processos.
Minha própria geração, posterior à Segunda Guerra Mundial, cresceu numa época em que as mulheres eram infantilizadas e tratadas como propriedade. Elas eram mantidas como jardins sem cultivo... mas felizmente sempre chegava alguma semente trazida pelo vento.
Embora o que escrevessem fosse desautorizado, elas insistiam assim mesmo. Embora o que pintassem não recebesse reconhecimento, nutria a alma do mesmo jeito. As mulheres tinham de implorar pelos instrumentos e pelo espaço necessário às suas artes; e, se nenhum se apresentasse, elas abriam espaço em árvores, cavernas, bosques e armários.
A dança mal podia ser tolerada, se é que o era, e por isso elas dançavam na floresta, onde ninguém podia vê-las, no porão ou no caminho para esvaziar a lata de lixo. A mulher que se enfeitava despertava suspeita. Um traje ou o próprio corpo alegre aumentava o risco de ela ser agredida ou sofrer violência sexual. Não se podia dizer que lhe pertenciam as roupas que cobriam os seus próprios ombros.
As questões da alma feminina não podem ser tratadas tentando-se esculpi-la de uma forma mais adequada a uma cultura inconsciente, nem é possível dobrá-la até que tenha um formato intelectual mais aceitável para aqueles que se alegam os únicos detentores do consciente. Não. Foi isso o que já provocou a transformação de milhões de mulheres, que começaram como forças poderosas e naturais, em párias na sua própria cultura.
Sentir-se impotente, insegura, hesitante, bloqueada, incapaz de realizações, entregando a própria criatividade para os outros, escolhendo parceiros, empregos ou amizades que lhe esgotam a energia, sofrendo por viver em desacordo com os próprios ciclos, super protetora de si mesma, inerte, inconstante, vacilante, incapaz de regular a própria marcha ou de fixar limites.
Não conseguir insistir no seu próprio andamento, preocupar-se em demasia com a opinião alheia, afastar-se do seu Deus ou dos seus deuses... Ter medo de parar, ter medo de agir, contar até três repetidamente sem conseguir começar...
O arquétipo da Mulher Selvagem, bem como de tudo o que está por trás dele, é o benfeitor de todas as pintoras, escritoras, escultoras, dançarinas, pensadoras, rezadeiras, de todas as que procuram e as que encontram, pois elas todas se dedicam a inventar, e essa é a principal ocupação da Mulher Selvagem.
E então, o que é Mulher Selvagem?
Ela é a alma feminina, no entanto, ela é mais do que isso.
Ela é a força da vida-morte-vida; é a incubadora. É a intuição, a vidência, é a que escuta com atenção e tem a coragem leal. Ela estimula os humanos a continuarem a ser multilíngues fluentes no linguajar dos sonhos, da paixão, da poesia. Ela sussurra em sonhos noturnos...
Ela é ideia, sentimentos, impulsos e recordações. Ela ficou esquecida por muito, muito tempo. Ela é a fonte, a luz, a noite, a treva, o amanhecer. Ela é o cheiro da lama boa e a perna traseira da raposa. Os pássaros que nos contam segredos pertencem a ela. Ela é a voz que diz:
“Por aqui, por aqui”.
Livro de Clarissa Pinkola Estés
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